terça-feira, 28 de abril de 2009

Sentimento de Macaco

A Antropofagia entre os tupinambás


A narrativa mais impressionante, foi feita pelo mercenário alemão Hans Staden, prisioneiro dos tupinambás entre 1554 e 1557.

A vitima era capturada no campo de batalha e pertencia aquele que primeiro a tivesse tocado. Triunfalmente conduzido à aldeia do inimigo, era insultado e maltratado por mulheres e crianças. Tinha de gritar. “Eu vossa comida cheguei”. Após essas agressões, porém era bem tratado, recebia como companheira uma irmã ou filha do seu captor e podia andar livremente – fugir era uma ignomínia impensável. O cativo passava a usar uma corda ao pescoço: era o calendário que indicava o dia da sua execução, o qual podia prolongar-se por muitas luas ( e até vários anos). Quando a data fatídica se aproximava, os guerreiros preparavam ritualmente a clava com a qual a vitima era abatida. A seguir, começava o ritual, que se estendia por quase uma semana e do qual participava toda a tribo, das mulheres aos guerreiros, dos mais velhos aos recém-nascidos.

Na véspera da execução, ao amanhecer, o prisioneiro, era banhado e depilado. Depois deixavam-no “fugir”, apenas para recaptura-lo de em seguida. Mais tarde, o corpo da vitima era pintado de preto, untado de mel e recoberto por plumas e cascas de ovos. Ao pôr-do-sol iniciava-se uma grande beberagem de cauin – um fermento de mandioca.

No dia seguinte, pela manhã, o carrasco avançava pelo pátio, dançando e revirando os olhos. Parava em frente ao prisioneiro: “ Não pertences à nação…. ( tal ou qual ), nossa inimiga? Não mataste e devoraste, tu mesmo, nossos parentes?” Altiva a vitima respondia: “ Sim sou muito valente, matei e devorei muitos… “ Replicava então o executor” agora estás em nosso poder: logo serás morto por mim e devorado por todos”. Para a vitima, aquele era um momento glorioso, já que os índios brasileiros consideravam o estômago do inimigoa sepultura ideal. O carrasco desferia então um golpe de tacape na nuca da vitima, velhas recolhiam numa cuia, o sangue e os miolos: o sangue devia ser bebido ainda quente. A seguir, o cadáver era assado e escaldado, para permitir a raspagem da pele. Introduzia-se um bastão no ânus, para impedir a excreção. Os membros eram esquartejados e depois de feita uma incisão na barriga do cadáver, as crianças eram convidadas a devorar os intestinos. A seguir, retalhava-se o tronco pelo dorso. Língua e miolos eram destinados aos jovens. Os adultos ficavam com a pele do crânio e as mulheres com os órgãos sexuais. As mães embebiam o bico dos seios em sangue e amamentavam os bebés. As crianças eram encorajadas a besuntar as mãos no sangue vertente e celebrar a consumação da vingança. Os ossos do morto eram preservados: O crânio fincado numa estaca, ficava exposto em frente à casa do vencedor; os dentes eram usados como colar e as tíbias transformadas em flautas e apitos.



Sentimento de macaco

Quantos mundos tem o mundo?
Tantos quantos os seres vivos que contém
Cada ser é um mundo,
com consciência também
Mais uma maravilha
das tantas que o mundo contém

Mas a morte é o fim do mundo?
Do ser que morre e cuja consciência também?
Diz-me a minha opinião agnóstica
Baseada numa educação ciêntifica
Se a consciência sobrevive à morte?
Eu não sei, nunca o ouvi! De ninguém!
Que tenha passado no além.

Mas se o homem vai para o além
Porque não vão os outros animais também?
Triste destino ser matador
Há tradições boas e tradições más
As que celebram a vida eu acho bem
As que celebram a morte
Não interessam a ninguém.

Obviamente que se encontram motivos racionais para determinado comportamento no caso dos antigos indios brasileiros poderia o macabro ritual acima descrito servir para suprir carências de proteínas, mentalizar a juventude para a guerra e para matar, acentuar o prestigio guerreiro da tribo e atemorizar os inimigos.

O costume de arranjar uma companheira para o cativo poderia servir para combater a consanguinidade no seio da tribo ( a tribo não só comia o cativo como adquiria os seus genes). Durante a sua estadia o cativo mostrava alguma da sua cultura e vivências aos elementos da tribo ávidos do conhecimento do mundo fora da tribo.

A grande desvantagem era o facto de comer um ser vivo exactamente igual, o que proporcionava a transmissão de inúmeras doenças.
Felizmente esta tradição acabou, porque era má celebrava a morte.

Mas continuam tradições semelhantes, como a que se relata a seguir, com o animal mais idêntico ao homem depois dos primatas.
O porco é semelhante ao macaco sapiens, logo é um potencial vector de contágio com novos vírus, o que justifica as razões pelas quais algumas religiões do macaco sapiens interditem o seu consumo.




Nota - O texto que se segue e o inicial, que relata o ritual indio não foram escritos pelo macaco.....evidentemente.


A MATANÇA DO PORCO


«Foi numa manhã fria de Dezembro que assisti à tradicional matança do porco na casa da minha avó Maria...

Muito cedo chegou o meu tio Carlos e a minha tia Ana que iriam ajudar nas tarefas, que pelo que me disseram, seriam muitas. Chegou também o sr. Francisco com uma enorme faca debaixo do braço. Tinha fama de matar os porcos rapidamente e era ele que matava quase todos os porcos da aldeia. Por fim chegaram o tio Chico e dois vizinhos.

Entraram e comeram figos, pão e azeitonas que acompanharam com um copo de aguardente para se aquecerem um pouco (como se não bastasse a enorme fogueira de lenha de carrasco que a minha avó já tinha acendido).

Depois saíram, foram buscar o porco à loja encaminharam-no para a porta da curralada onde já estava um agrade e alguns feixes de palha.

Nesse momento, chegou a minha mãe com uma bacia com um pouco de pão e vinagre espalhados no fundo. Explicaram-me que o tacho serviria para aparar o sangue e o pão e o vinagre para impedirem que o sangue tralhasse (coagulasse). Agarraram o porco e colocaram-no sobre o agrade. O senhor Francisco pôs em prática toda a sua habilidade e, de uma vez só, espetou a sua enorme faca no pescoço do porco provocando uma diminuição na força com que o infeliz se debatia e um grande arrepio em mim. A minha mãe aparava o sangue na bacia dando-lhe volta com um ritmo compassado à medida que ia acrescentando alguma água.

Quando o porco parou de se debater, pegaram fogo à palha de centeio. Com calma, foram chamuscando o pelo do porco e depois a sua pele, esfregando-a com sabão e com cortiça e raspando-a com facas. Aqueceram as unhas e arrancaram-nas. Depois de bem lavado, viraram-no de barriga para cima e começaram a abri-lo.

A minha tia Ana chegou para levar as asinhas do coração ("senão o fumeiro voava"), as pontas das costelas, o fígado e barbada que iria estufar.

Depois de retiradas as tripas a minha mãe tirou-lhes alguma gordura, enquanto estavam quentes, que seriam fervidas numa panela (rojões).

Os homens penduraram o porco usando uma estaca com uma gancha, que fizeram passar pelo cu do porco e se prendia no queixo do mesmo. A estaca foi encostada a uma esquina, ficando o porco ao alto uma vez que não havia uma trave para o pendurar. Depois entravaram e comeram o estufado de carne e o sangue cozido (cortado em cubos com alho, azeite, vinagre e pimento doce), enquanto se preparava o almoço.

O almoço consistiu num prato de arroz de couve branca, acompanhado com salpicão do ano anterior feito com a tripa do cu e ovo cortados às rodelas, ambos colocados por cima do arroz. Sopas feitas com pão migado e amolecidas com o caldo dos potes de ferro que fervem na lareira. Regadas com azeite a ferver que fazia um som característico ao cair sobre o pão já húmido (sopas do chize), com sangue cozido esfarelado por cima.

Depois do almoço a minha mãe e a minha tia foram lavar as tripas para o ribeiro na Veiga. Utilizavam uma verga de olmo para virar a tripa (pau de virar tripas) permitindo a lavagem do interior. A água estava muito fria e o cheiro também não era nada agradável.

Aproveitei o tempo e perguntei-lhes quais seriam as fases seguintes na conservação da carne do porco. As alheiras só se faziam depois de desmanchar (desfazer) o porco (normalmente no dia seguinte). Também eram separadas as carnes (para salpicões, bochas, linguiças e bulhos). A maior parte da carne seria conservada em maceiras com sal.

Cheguei à conclusão de que o dia da matança do porco era um dia cheio de trabalho, mas também um dia cheio de alegria e alguma festa. Percebi que todas as fases se desenvolviam com calma como num ritual. Percebi também que o porco, nas diferentes formas em que é conservado, ocupa um lugar muito importante na alimentação ao longo de todo o ano».